ALGUMAS DICAS SOBRE O MAPA DA FIGUEIRA

ALGUMAS DICAS SOBRE O MAPA DA FIGUEIRA
1. O xisto, a cabra e o lobo
As ribeiras estavam secas quando fomos testar os percursos, mas em dias de enxurrada passa, entre aquelas sólidas paredes de xisto, muita água a caminho de Lisboa. Sim, Lisboa. A ribeira da Figueira desagua na das Moitas, que, por sua vez, acaba no rio Ocreza, um dos afluentes do Tejo.
A construção em xisto é uma das marcas da região. Desde logo, nas casas. Mas também nos incontáveis muros e muretes que ladeiam os cursos de água ou sustentam o terreno nas encostas e, sobretudo, nas reentrâncias. A maior parte das falésias que vão encontrar no mapa são muros de sustentação. Do lado de cima, estão quase à face da terra (e, por isso, não são cartografados como muros); vistos de baixo, são verdadeiras paredes de pedra solta e muito bem aparelhada. 
 (Xisto nas paredes da ribeira)
A aldeia da Figueira e todo o concelho de Proença-a-Nova inscrevem-se na sub-região do Pinhal Interior Sul. Fazendo jus à designação, o nosso mapa é rico em pinheiro bravo, mas tem igualmente manchas de eucalipto e muito mato, que irá ser um dos piores adversários dos atletas. Quando o mapa estiver pintado com aquelas riscas verdes de malha mais ou menos apertada (códigos 409 e 407 para os mais entendidos), quando isso acontecer, têm de redobrar a atenção. Vai ser difícil progredir. Para os participantes mais interessados no passeio do que na competição, o melhor se calhar é fazerem um desvio.
Boa parte do terreno é, portanto, um pouco agreste. Bom para as cabras, que são outro ex-líbris da região. À entrada da aldeia, numa das paredes que dão para a estrada, há um mural muito interessante, assinado por Jorge Charrua, 2014. Uma interpretação possível: naquele meio um tanto inóspito só sobrevive gente de rija têmpera e animais de dieta austera (no outro extremo do friso figura um burro ou um macho). 
 (Mural de Jorge Charrua)
Não admira, assim, que a cabra esteja tão presente na gastronomia local. O único restaurante da Figueira é a Casa da Ti Augusta. Espreitem a ementa ou, se possível, cheguem à fala com a D. Joana, que é uma enciclopédia viva sobre a arte da cozinha e sobre a cultura e modo de vida na região. Isto não vem à laia de publicidade, já que o estabelecimento é tão reduzido que dificilmente haverá lugar para quem não tenha reservado. Mas entrem, tomem um café e consultem duas ou três monografias que estão ali exatamente à espera de um olhar curioso.
E onde é que entra o lobo do título? Se calhar agora já não entra, mas existe na aldeia uma artéria chamada Rua da Cancela. Há uma bela história atrás desse nome. Está contada numa placa informativa. Procurem-na. Já agora, vejam também a explicação sobre o forno comunitário.
 
2. Vinho, azeite, pomar e… 200 poços!
Este quadro de austeridade tem o seu reverso ameno quando descemos aos vales ou nos detemos na parte baixa de algumas reentrâncias. Aí florescem as hortinhas, os pomares, a vinha e o olival. 
Às vezes são estreitas nesgas de terreno entaladas entre o matagal e a ribeira. Algumas estão hoje meio abandonadas, mas há ainda bons exemplos da agricultura que no geral ali se praticou até há bem poucas décadas. Quase toda a gente tinha o seu bocadinho de regadio, donde vinham a fruta e os legumes para os gastos da casa. Com os grandes calores do fim de Agosto, as uvas amaduraram este ano precocemente e as laranjas pintaram no chão manchas de amarelo que estávamos longe de suspeitar naquele cenário.
Boa parte dessa agricultura era apoiada numa rede de poços difícil de imaginar para quem não frequenta este meio. Vejam só: o mapa tem pouco mais de 3 km2 e estão nele representados 200 poços! Alguns têm menos de 1 metro de diâmetro e a maior parte não dispõe de gargalo. É preciso cuidado, apesar de nós termos feito o nosso trabalho de casa. Faltava mais de um mês para a prova e já tínhamos aplicado 600 metros de fita balizadora. 
Numa das extremidades do mapa, que a supressão da prova de distância longa provavelmente vos impedirá de visitar, está representado um edifício que corresponde a um lagar e, no caminho que a ele conduz, o mapa mostra uma sucessão de minúsculos quadradinhos. São as tulhas onde se acondicionava a azeitona nos dias antes de começar a moagem.
O lagar está desativado desde há quatro anos. Os produtores recorrem agora a equipamentos mais sofisticados, por exemplo, na sede da freguesia, Sobreira Formosa, ou no parque industrial de Proença-a-Nova. Mas a existência do velho lagar atesta a importância que, a par da extração de madeira (pinho e eucalipto), teve e continua a ter a produção de azeite. A vinha, o medronheiro e a cerejeira marcam também presença assídua, na maior parte dos casos em plantações recentes, ao contrário de algumas figueiras, nespereiras e laranjeiras, que agonizam à beira dos poços nas tais hortas abandonadas. 
 (Lagar representado no mapa)
O edifício de maiores dimensões representado no mapa é um moderno curral de cabras em fase de acabamento construído sobre o terraço de um pinhal, a dois passos da aldeia. Tem capacidade para umas 300 cabeças de gado e é obra do jovem empresário João Matias, outra das figuras que ajudaram a inscrever o nome da Figueira entre os destinos de maior sucesso na rota do xisto. 
Independentemente da gratificação desportiva que estas provas venham a proporcionar, gostaríamos que nenhum participante saísse da Figueira sem a consciência de ter pisado um território muito peculiar, onde ainda é possível testemunhar um lado da vida que está cada vez menos presente nos nossos campos.
 
Manuel Dias (texto e fotos)
PS – Sou atleta do Gafanhori, mas prescindi de competir nesta prova, para apoiar a organização.